Olá escritores!
Na nossa última postagem falamos sobre o Arquétipo do Herói, e como prometido anteriormente hoje iremos nos aprofundar no arquétipo do Mentor (Velha ou Velho Sábio), com base no que foi apresentado por Christopher Vogler, no livro A Jornada do Escritor.
A palavra "Mentor" vem da Odisseia, de Homero. Na obra há um personagem chamado Mentor que guia o jovem herói, Telêmaco, em sua Jornada de Herói. Na verdade, é a deusa Atena que assumi a forma de Mentor, para ajudar Telêmaco. É bem comum, os Mentores serem inspirados pela sabedora divina. Inclusive o nome que Campbell dá a esse arquétipo é Velho Sábio ou Velha Sábia.
A relação entre o herói e o Mentor é uma das fontes mais ricas de entretenimento na literatura e no cinema. Esse arquétipo se expressa em todos aqueles personagens que ensinam e protegem os heróis e lhes dão certos dons.
Os melhores Mentores e mestres entusiasmam, no sentido original da palavra.
"Entusiasmo" deriva do grego en theos, em deus, significando "inspirado por deus, tendo um deus em si, ou estando na presença de um deus".
Função psicológica
Os mentores representam o self, o
deus dentro de nós, o aspecto da personalidade que está ligado a todas as
coisas. Esta é a parte mais sábia, mais nobre, mais parecida com um deus em
nós.
As figuras de Mentores, representam
as mais elevadas aspirações dos heróis. São aquilo em que o herói pode transformar-se,
se persistir na sua Estrada de Heróis. Frequentemente, o Mentor foi um herói
que sobreviveu aos obstáculos anteriores da vida, e agora está passando a um
mais jovem a dádiva de seu conhecimento e sabedoria. O arquétipo do Mentor se
relaciona intimamente à imagem de um dos pais. Muitos heróis buscam Mentores
porque seus próprios pais não desempenham papéis que possam ser modelos
convenientes para o desenvolvimento de sua jornada.
Exemplos: A Fada-Madrinha, na história da Cinderela,
pode ser interpretada como o espírito protetor da mãe falecida da menina. Merlin é
um pai de criação para o jovem rei Arthur, cujo pai morreu.
Funções dramáticas
Ensinar
Da mesma forma que aprender é uma
função importante do herói, ensinar ou treinar é uma função-chave do Mentor. Vale
lembrar que ensinar é uma via de mão dupla. Qualquer pessoa que já tenha
ensinado sabe que a gente aprende tanto com os alunos quanto ensina a eles.
Dar presentes
Dar presentes é outra importante
função desse arquétipo. Na análise que Vladimir Propp fez do conto popular
russo, ele identifica essa função como a do "doador" ou provedor:
trata-se de alguém que ajuda o herói temporariamente, em geral dando a ele
algum presente. Pode ser uma arma mágica, uma chave ou pista importante, algum
alimento ou remédio mágico, ou um conselho que pode salvar a vida. Nos dias de
hoje, o presente pode ser tanto uma senha de computador quanto a pista para o
covil de um dragão.
Exemplo: Obi Wan Kenobi dando a
Luke Skywalker a espada de luz que fora de seu pai.
Presentes na mitologia
A doação de presentes, ou seja, a
função de doador do Mentor, desempenha um papel importante na mitologia. Muitos
heróis receberam presentes de seus Mentores, os deuses.
Exemplos: Pandora, cujo nome
significa "com todos os dons", foi coberta de presentes, inclusive o
vingativo presente de Zeus — a caixa que ela não deveria abrir. Já Perseu se
distingue por ser um dos heróis mais bem equipados. Com a ajuda de Mentores
como Hermes e Atena, ele foi ganhando sandálias aladas, uma espada mágica, um
elmo que o tornava invisível, uma foice mágica, um espelho mágico, a cabeça de
Medusa, que transformava em pedra quem a olhasse, e uma sacola mágica para
guardar a cabeça. Na maioria das histórias, isso seria um exagero. Mas Perseu é
entendido como o paradigma de todos os heróis, por isso compreende-se que ele
seja tão presenteado pelos deuses, seus Mentores em sua busca.
Os presentes devem ser merecidos
Na análise que Propp faz dos
contos russos, observa que os personagens dos doadores dão presentes mágicos
aos heróis, mas geralmente só depois que estes tenham passado por algum tipo de
teste. Essa é uma boa regra: O presente ou ajuda deve ser conquistado,
merecido, por meio de um aprendizado, um sacrifício ou um compromisso. Os
heróis de contos de fadas acabam ganhando a ajuda de animais e criaturas
mágicas porque foram bondosos para eles, no início da história, dividindo a
comida, ou protegendo-os de maus tratos.
Mentor como inventor
Algumas vezes, o Mentor funciona
como um cientista ou inventor, cujos presentes são suas descobertas, planos ou
invenções. O grande inventor do mito clássico é Dédalo, que projetou o Labirinto
e outras maravilhas para os governantes de Creta. Como artesão-mestre da
história de Teseu e o Minotauro, ele ajudou a criar o monstro Minotauro e
projetou o Labirinto como uma espécie de jaula gigantesca para prendê-lo. Como
Mentor, Dédalo deu a Ariadne o novelo de lã que permitiu a Teseu entrar e sair
vivo do Labirinto.
Depois, aprisionado no próprio
Labirinto que criou, em castigo por ter ajudado Teseu, Dédalo também inventou
as famosas asas de cera e penas que permitiram a ele e a seu filho Ícaro
escapar. Como Mentor de Ícaro, aconselhou o filho a não voar perto demais do
sol. Mas Ícaro, que crescera na escuridão dos porões do Labirinto, foi
irresistivelmente atraído pelo sol, ignorou o conselho do pai e despencou para
a morte, quando a cera derreteu.
A consciência do herói
Alguns Mentores desempenham um
papel especial, como consciência do herói. Personagens como o Grilo Falante, em
Pinóquio, tentam manter viva no herói a lembrança de um código moral.
Entretanto, o herói pode se rebelar contra uma consciência insistente. Convém
lembrar aos Mentores em perspectiva que, na versão original de Carlo Collodi,
Pinóquio esmaga o Grilo para que ele cale a boca.
Motivação
Motivar o herói e ajudá-lo a
vencer o medo, é outra importante função do Mentor. Muitas vezes, basta o
presente para lhe transmitir confiança e motivação. Em outros casos, o Mentor
mostra algo ao herói, ou arruma as coisas de tal modo que ele fica com vontade
de agir e se lança à aventura.
Em alguns casos, o herói está tão
relutante ou temeroso que deve ser empurrado à aventura. Um Mentor pode ter que
dar um leve pontapé na bunda do herói, para que a aventura, enfim, se desenrole.
Plantar
Plantar informação, um adereço ou
um indício que, depois, vai se tornar importante, também é uma função comum do
arquétipo de Mentor.
Exemplos: Os filmes de James Bond
têm uma cena obrigatória, na qual Q, o mestre de armas, um dos Mentores
recorrentes de Bond, descreve o funcionamento de alguma nova engenhoca incluída
na pasta, a um entediado 007. Essa informação é plantada, e se destina a que a
plateia tome conhecimento dela, mas a esqueça, até o momento do clímax em que o
truque vai salvar a vida do herói. Essas construções ajudam a amarrar o começo
e o fim da história, e mostram que, em algum momento, tudo o que foi aprendido
com um Mentor se torna útil.
Iniciação sexual
No campo amoroso, a função do
Mentor pode ser nos iniciar nos mistérios do amor e do sexo. Na índia, fala-se
do shakti — um iniciador sexual, um parceiro que ajuda a experimentar o poder
do sexo como veículo para um estágio superior de consciência. Um shakti é uma
manifestação de Deus, um Mentor que conduz o amante a experimentar o divino.
Os sedutores e os ladrões da
inocência ensinam lições da maneira mais dura. Pode haver um lado de sombra em
Mentores que levam o herói pela estrada perigosa do amor obsessivo ou do sexo
manipulativo e sem amor. Há muitas maneiras de aprender.
Tipos de mentor
Como os heróis, os mentores podem
se dispor, ou não, a esse papel. Algumas vezes, podem ensinar sem querer. Em
outros casos, ensinam por meio do mau exemplo. A derrocada de um Mentor enfraquecido
e tragicamente cheio de defeitos pode mostrar ao herói as armadilhas que deve
evitar. Assim como acontece com os heróis, alguns lados obscuros ou negativos
podem se expressar por meio deste arquétipo.
Mentores escuros
Em certas histórias, o poder do arquétipo do Mentor pode ser usado para desorientar a plateia. Nos thrillers, a máscara do Mentor algumas vezes é uma isca, usada para atrair o herói ao perigo. Há também histórias em que todos os valores heroicos convencionais estão invertidos, onde temos um anti-Mentor para guiar o anti-herói no caminho do crime e da destruição.
Outra inversão da energia desse
arquétipo é um tipo especial de Guardião de Limiar. Um exemplo se encontra em
Tudo por uma esmeralda, em que tudo indica que a agente literária de Joan
Wilder, falante e provocadora, é um Mentor que orienta a carreira dela e lhe dá
conselhos sobre os homens. Mas quando Joan está a ponto de cruzar o limiar da
aventura, a agente tenta detê-la, avisando-a dos perigos iminentes e a enchendo
de dúvidas. Em vez de motivá-la, como um verdadeiro Mentor, a agente
transforma-se num obstáculo no caminho da heroína. Isso é psicologicamente
muito verdadeiro, na vida real, pois com frequência temos que ultrapassar ou
superar a energia de nossos melhores professores, de modo a podermos passar ao
próximo estágio de desenvolvimento.
Mentores caídos
Alguns Mentores ainda estão trilhando
seu próprio caminho, em sua Jornada de Herói pessoal. Podem estar vivendo uma
crise de confiança na vocação. Podem estar enfrentando problemas com o
envelhecimento, ou se aproximando do limiar da morte, ou ter se afastado da
estrada do herói. O herói pode precisar do Mentor para lhe dar apoio mais uma
vez, e há sérias dúvidas de que o Mentor possa conseguir dar essa força. Um
Mentor desses pode ter que atravessar todos os estágios de sua própria Jornada
de Herói, em seu próprio caminho para a redenção.
Mentores continuados
Os Mentores também são úteis para designar missões e desencadear a ação das histórias. Por esse motivo, são muito frequentes nos elencos de seriados.
Exemplo: Alfred em Batman.
Mentores múltiplos
Um herói pode ser treinado por
uma variedade de Mentores que lhe ensinam habilidades específicas. Seguramente,
Hércules é o mais bem treinado de todos os heróis, pois tem como Mentores
especialistas em luta, arco-e-flecha, montaria, manuseio de armas, sabedoria,
virtude, música. Chega até a fazer, com um dos Mentores, um curso de
treinamento sobre como conduzir uma carruagem. Todos nós aprendemos o que
sabemos com uma série de Mentores, incluindo pais, irmãos e irmãs mais velhos,
amigos, amantes, professores, patrões, colegas de trabalho, terapeutas e
outros.
Os Mentores Múltiplos podem ser
necessários para exprimir as diferentes funções do arquétipo.
Mentores cômicos
Esse tipo de Mentor é comum em
comédias românticas. Normalmente é um
amigo ou colega do herói, geralmente do mesmo sexo, que lhe aconselha sobre o
amor: vá em frente e esqueça essa tristeza; finja que tem um caso, para seu
marido ficar com ciúmes; faça de conta que está interessada nas coisas de que
ele gosta; impressione a amada com presentes, flores ou belas palavras; seja
mais agressivo etc. Esses conselhos quase sempre acabam levando o herói a uma
situação temporária que parece ser o maior desastre, mas, no fim, tudo acaba
dando certo.
Mentor como xamã
O personagem do Mentor, nas
histórias, está intimamente ligado à ideia do xamã ou curandeiro das culturas
tribais. Da mesma forma que os Mentores guiam o herói pelo Mundo Especial, os
xamãs guiam as pessoas pela vida. Viajam a outros mundos, em sonhos e visões, e
de lá trazem de volta histórias que vão curar suas tribos. Muitas vezes, uma
das funções do Mentor é ajudar o herói a procurar uma visão que lhe sirva de
guia, numa busca de um outro mundo.
Flexibilidade do arquétipo do mentor
Como os outros arquétipos, o
personagem do Mentor ou doador não é um tipo rígido e previsível, mas uma
função, um trabalho que pode ser desempenhado por vários personagens
diferentes, no decorrer de uma história. Um personagem que manifesta
primordialmente outro arquétipo — o herói, o camaleão, o pícaro, até mesmo o
vilão — pode usar, provisoriamente, a máscara de Mentor, para ensinar ou dar
algo ao herói.
Embora Campbell tenha chamado
essas figuras de Velha ou Velho Sábio, às vezes elas não são velhas nem sábias.
Muitas vezes, os mais jovens, em sua inocência, são capazes de dar lições aos
mais velhos. O personagem mais tolo de uma história pode ser justamente aquele
com quem mais aprendemos. Da mesma forma que ocorre com outros arquétipos, a
função de um Mentor é muito mais importante do que sua mera descrição física. São
os atos do personagem que determinam qual dos arquétipos está se manifestando
naquele momento.
Muitas histórias não têm um
personagem específico que possa ser identificado como o Mentor. Não apresentam
nenhuma figura de barbas brancas e cara de mago e que ande de um lado para
outro no papel de Velho Sábio. No entanto, quase toda história, em algum ponto,
recorre à energia desse arquétipo.
Mentores internos
Neste caso o herói é um
personagem experiente e calejado, que não precisa de Mentor ou guia. Ele já
internalizou esse arquétipo, que agora vive dentro dele, como um código íntimo
de comportamento. O Mentor pode ser o código de conduta, ou as noções secretas
de honra . Um código de ética pode ser a manifestação não-personificada de um
Mentor, guiando as ações do herói. Não é raro que um herói se refira a um
Mentor que significou algo para ele, anteriormente na vida, mesmo se não
aparece na história nenhum personagem de Mentor. Um herói pode recordar
"Minha mãe, meu pai, meu avô ou meu professor costumava dizer..." e
então exprimir a sabedoria contida no conselho que será crucial para resolver o
problema da história. A energia do arquétipo de Mentor também pode estar
investida num adereço, como um livro ou outro objeto, que guia o herói em sua
busca.
Colocação dos mentores
Embora a Jornada do Herói, muitas
vezes, encontre o Mentor já no primeiro ato, a colocação do Mentor numa
história é uma consideração prática. Pode ser necessário, em qualquer ponto da
história, a presença de um personagem que saiba tudo sobre cordas, que tenha o
mapa de uma região desconhecida, ou que possa dar ao herói a informação vital
no momento exato. Os Mentores podem surgir no começo de uma história ou esperar
na coxia até que sejam necessários, no instante crítico do segundo ato ou do
terceiro ato.
Os Mentores fornecem aos heróis
motivação, inspiração, orientação, treinamento e presentes para a jornada. Todo
herói é guiado por alguma coisa, e uma história que não reconheça isso e não
deixe um espaço para essa energia estará incompleta. Quer se exprima como um
personagem concreto ou como um código de conduta interno, o arquétipo do Mentor
é uma arma poderosa nas mãos do escritor quando bem utilizada.
Esperamos que você tenha gostando de saber um pouco mais sobre o Arquétipo do Mentor. Na próxima postagem sobre o assunto iremos conhecer mais sobre o Arquétipo do Guardião do Limiar. Agora nos conte você costuma usar os Arquétipos como base para a criação de seus personagens?
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