Dicas de escrita: como pontuar os diálogos? O uso das aspas e do travessão
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Você sabe pontuar os seus diálogos? |
Olá, escritores!
No final do ano passado, lançamos a seguinte pergunta no nosso Twitter:
Twitter, querido, nos contem aqui:qual é aquela dúvida de gramática que sempre te corrói quando você senta para escrever?(Nós queremos ajudar na solução deste problema em 2021.)— Escrita Criativa (@criativoescrito) December 23, 2020
Algumas das dúvidas que surgiram foram relacionadas ao modo da escrita do diálogo. Qual é o melhor modo de pontuar o discurso direto? O que diz a gramática? Como revisar as falas?
Neste post tentaremos responder a essas perguntas, levando em consideração o que diz a gramática normativa para o discurso direto. Esta ressalva é importante, porque há escritores que criam projetos literários mais experimentais e não seguem o que precede a gramática.
Aspas X Travessão
A gramática normativa de Língua Portuguesa dá preferência ao uso do travessão (—) para a marcação do discurso direto. O uso das aspas duplas ("") é uma influência das línguas anglo-saxãs (como o inglês), que está se tornando cada vez mais popular. Há alguns casos em que é possível combinar as duas pontuações, como veremos a seguir.
O que é o travessão?
O travessão (—) é um traço que tem várias funções na língua portuguesa — podendo, inclusive, substituir vírgulas e parênteses. Um de seus principais papeis é justamente sinalizar o diálogo:
— Maria, por favor, me passa o seu endereço?
É importante lembrar que o travessão é o traço mais longo de todos e é grafado no meio da altura da linha, diferenciando-se em tamanho do hífen (-) do meia-risca (–) e em posicionamento do underline (_). Vejam abaixo as comparações:
- Hífen: -
- Meia-risca: –
- Travessão: —
- Underline: _
Por que é importante mencionarmos tudo isso?
Porque muitas vezes os autores independentes acabam publicando os seus livros com o sinal de pontuação errado, o que transmite um ar de descaso com a obra. Às vezes, esta inadequação é por falta de conhecimento e por falta de revisão de um profissional de Letras que conheça as diferenças entre os quatro sinais mencionados.
Como usar o travessão?
O travessão serve para indicar a abertura do diálogo, aparecendo obrigatoriamente no início da fala. Ele pode ser repetido no meio da sentença para a inserção de alguma informação que apareça intercalada, mas não é usado no fim do que é dito:
— Não quero, mas preciso ir — Joana lamentava-se.
Caso o diálogo venha com alguma marcação que insira uma informação no meio do que é dito, esta informação virá em letra minúscula, entre os travessões:
— Não quero, mas preciso ir — a filha de Joana lamentava-se. — Não posso me atrasar ou posso perder o meu voo.
Notem, que a sentença termina em "lamentava-se." e que por ter seu fim ali, ganhou um ponto final(.) antes do travessão seguinte. Isso se dá com qualquer outro sinal de pontuação (vírgula, ponto e vírgula e ponto final).
E as aspas?
Nos diálogos
As aspas duplas ("") podem, como dissemos no início, substituir o travessão nas línguas anglo-saxãs. É importante notar, contudo, que sempre que as aspas são abertas devem ser fechadas. Nosso primeiro exemplo ficaria assim:
"Maria, por favor, me passa o seu endereço?"
Caso haja informações interpelando a fala, temos:
"Não quero, mas preciso ir", Joana lamentava-se.
ou
"Não quero, mas preciso ir ", a filha de Joana lamentava-se. "Não posso me atrasar ou posso perder o meu voo."
Reparem que, após o fechamento das aspas, foi necessário inserir uma vírgula antes da inserção da informação. Segue mais um exemplo, do livro As ondas, de Virgínia Woolf:
"Uma sombra cai sobre a vereda", disse Louis, "como um cotovelo dobrado."
Usos tradicionais das aspas em português e o uso delas com o travessão
Em língua portuguesa, quando se trata de diálogos, as aspas podem demarcar os pensamentos da personagem ou a menção de fala de uma outra pessoa dentro do discurso direto. Vejamos:
- Nos pensamentos:
"Meu Deus — pensou Montag, — é isso mesmo! O alarme sempre chega à noite. Nunca de dia!" (Fahrenheit 451, de Ray Bradbury)
- Menção de falas de outrem:
— Você sabe de que modo ela me chamava? Feia, isso mesmo, Feia, como este fosse o meu nome. "Feia, pode me trazer um copo d'água?".
(Bairro de maravilhas, de Rosa Chacel)
Por que é importante entendermos essas diferenças?
Porque saber manejar e combinar o uso das aspas e do travessão ajuda o escritor guiar o leitor na dualidade externo (o que é dito) e interno (o que é pensado) no universo de cada um de seus personagens.
LEIA TAMBÉM: O texto fala: as vozes dos personagens.
Referências:
KOHAN, Silvia Adela. Como escrever diálogos: A arte de desenvolver o diálogo no romance e no conto. 2ª edição. Belo Horizonte: Gutenberg, 2016. Páginas 34-37.
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5 Comments
Ótima dica. Obrigado.
ResponderExcluirAcabei de descobrir o site por ua pesquisa no google, gostei muito de escrever diálogos com aspas depois de ler a serie Crosfire da Sylvia Day, me apaixonei e não volto mais atrás. Eu amei o site, obrigada pelas dicas.
ResponderExcluirMaterial perfeito. Ajudou-me muito.
ResponderExcluirObrigado!
Olá, Fernanda, gostei do que nos ensinou! Pode me tirar mais duas dúvidas? A primeira é como eu grafaria uma palavra dita de forma errada por um personagem, como por exemplo "noturnico" ou invés de "noturno". Devo escrever entre aspas, em itálico,... ou não preciso diferenciá-la? A segunda é parecida, se não houver falta de ortografia, mas a construção da frase for errada, como "para mim fazer", o "mim", deve ser grafado de forma diferente? Desde já, obrigado! Abraço.
ResponderExcluirOi, Paulo!
ExcluirFico feliz que você tenha gostado. Nos dois casos depende do contexto e da quantidade de ocorrência. Muitas vezes, quando essas formas de falar vêm na literatura e de um personagem muito participativo (o narrador, um personagem principal, por exemplo), não é feita a diferenciação (itálico, aspas), uma vez que deixa o visual do texto muito poluído.
Em alguns livros, os editores colocam uma nota — normalmente, na abertura ou junto à ficha catalográfica — falando sobre essa questão ortográfica/gramatical (um exemplo é O quarto de despejo, da Carolina Maria de Jesus). O caso da nota também é útil para avisar sobre alguma variação linguística específica (se não me falha a memória, os livros do Mia Couto têm uma nota falando que foram respeitadas as formas ortográficas da variação do português usado em Moçambique).
Em livros de não ficção, é importante fazer a diferenciação. Nesse caso, dá-se preferência ao itálico.
Espero ter ajudado.
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