Aprenda a escolher/escrever livros para crianças e adolescentes

Foto de Ben White na Unsplash.

Olá, escritores!

No post de hoje trazemos algumas informações para que vocês possam escolher de forma mais acertada livros para crianças. Como escritores (leitores, avós, pais, irmãos mais velhos, tios, professores e bibliotecários) sabemos que a leitura deve ser incentivada desde cedo. É por meio dela que fomentamos a criatividade, o pensamento crítico, a empatia e o conhecimento. Tudo isso já pode ser feito desde a gestação — com leituras para o bebê — e é fundamental que aconteça desde antes da idade escolar. Embora a escola tenha um papel fundamental na formação de leitores, é importante ressaltar que ela não é a única responsável por essa formação.

A leitura em família é de extrema importância por vários motivos, dentre eles está a formação do hábito de ler e a construção de vínculos entre os adultos/crianças mais velhas e os pequenos. Quem cresceu com familiares lendo, provavelmente guarda ótimas lembranças desses momentos, não é mesmo? Além disso, ler aumenta a concentração e é uma alternativa interessante ao uso frequente das telas. 

Vale dizer também que este post muito é útil para quem escreve literatura para crianças e adolescentes, uma vez que pode-se usar todas as informações listadas abaixo tanto para pensar a obra que será escrita, quanto para conquistar uma editora. Autores que escrevem esse tipo de literatura deve compreender desse universo. Este post lhe ajudará nisso. 😉


Foto de Brina Blum, via Unsplash.


A importância do ambiente

É importante deixar os livros acessíveis para as crianças: seja colocados em prateleiras, de modo que os pequenos alcancem; seja em cestos ou em caixas, próximos ao chão. Assim, as crianças terão acesso aos livros sem a necessidade de um adulto intervir. Ter essa liberdade permite que elas possam ler em momentos que os adultos estejam ocupados.

Além disso, se for possível, crie um espaço aconchegante de leitura. Tapetes, almoçadas, redes, tatames, tudo o que trouxer aconchego e permitir que a criança se sente ou se deite confortável para ler é bem-vindo e fortalece o hábito de leitura.


Foto de Iana Dmytrenko, via Unsplash.


Quando começamos a ler

No livro O que é leitura, a pesquisadora Maria Helena Martins aponta que começamos a aprender a ler o mundo desde que nascemos:

"Também as investigações interdisciplinares vêm evidenciando, mesmo na leitura de texto escrito, não ser apenas o conhecimento da língua que conta, e sim todo um sistema de relações interpessoais e entre as várias áreas do conhecimento e da expressão do homem e das suas circunstâncias de vida. Enfim, dizem os pesquisadores da linguagem, em crescente convicção: aprendemos a ler lendo. Eu diria vivendo. (...) Certamente aprendemos a ler a partir do nosso contexto pessoal. E temos  que valorizá-lo para poder ir além dele. (...) Quando começamos a organizar os conhecimentos adquiridos, a partir das situações que a realidade impõe e da nossa atuação nela; quando começamos a estabelecer relações entre as experiências e a tentar resolver os problemas que nos apresentam — aí então estamos procedendo leituras, as quais nos habilitam basicamente a ler tudo e qualquer coisa." (páginas 12, 14, 15 e 17)

 

Foto de Annie Spratt, via Unsplash.

Tipos/níveis de leitura

Ainda citando a obra O que é leitura, a pesquisadora Maria Helena Martins aponta que há algumas formas diferentes de ler e que o ato de ler, além de ser atravessado pela razão, também o é pelas emoções e pelos sentidos. Para a autora, compreender o ato de ler configura-se em pensá-lo em três níveis de leitura:

"...os quais são possíveis de visualizar como níveis sensorial, emocional e racional. Cada um desses três níveis corresponde a um modo de aproximação ao objeto lido. Como a leitura é dinâmica e circunstanciada, esses três níveis são interrelacionados, senão simultâneos, mesmo sendo um ou outro privilegiado, segundo a experiência, expectativas, necessidades e interesses do leitor e das condições do contexto geral em que se insere." (páginas 36 e 37)

Leitura sensorial: está relacionada com os 5 sentidos (visão, tato, audição, olfato, paladar) e, de acordo com Martins, é a mais elementar dos níveis de leitura, pois começa desde muito cedo e precede a leitura da palavra escrita. Além disso, nos acompanha por toda vida, pois é o nível de leitura que nos incita ao prazer de ler. É a leitura sensorial que aponta ao leitor o que ele gosta ou desgosta, mesmo que isso não tenha uma explicação racional. Quando pegamos um livro, não importa a faixa etária em que estejamos, esta é a primeira leitura que fazemos. Conforme aponta Maria Helena Martins:

"Antes de ser um texto escrito, um livro é um objeto; tem forma, cor, textura, volume, cheiro. Pode-se até ouvi-lo se folhearmos suas páginas. Para muitos adultos e especialmente crianças não alfabetizados essa é a leitura que conta. Quem já teve oportunidade de observar a sua realização sabe o quanto ela pode render. 

Na criança essa leitura através dos sentidos revela um prazer singular, relacionando com sua disponibilidade (maior que a do adulto) e curiosidade (mais espontaneamente expressa). O livro, esse objeto inerte, contendo estranho sinais, quem sabe imagens coloridas, atrai pelo formato e pela facilidade do manuseio; pela possibilidade de abri-lo, decifrar seu mistério e ele revelar — através da combinação rítmica, sonora e visual dos sinais — uma história de encantamento, de imprevistos, de alegrias e apreensões. E esse jogo com o universo escondido num livro vai estimulando na criança a descoberta e aprimoramento da linguagem, desenvolvendo sua capacidade de comunicação com o mundo." (páginas 42 e 43)

Leitura emocional: é o tipo que mexe e ativa as emoções do leitor, fazendo com que a leitura escape do controle consciente, que nos faz rir, chorar, sentir tédio ou raiva, querer torcer por um determinado personagem. Quando lemos a partir da chave emocional, libertamos a nossa criatividade, fantasia e emoções. Sobre isso, Maria Helena Martins nos mostra que "Tudo se passa num processo de identificação; não temos controle racional sobre isso, pelo menos naquele momento." (página 49)

Leitura racional: é o nível de leitura considerado "sério e intelectual", já que exige a racionalização do conteúdo do que fora lido; gerando, por exemplo, uma crítica aos aspectos formais do livro. Essa leitura é realizada quando o leitor pretende isolar o sensorial e o emocional do que é lido, orientando-se por aspectos pré-estabelecidos do que se considera normativo. Normalmente, a leitura racional também se limita ao que é texto escrito, deixando de lado o texto falado e outras formas de linguagem.

Vale retomar o que a própria pesquisadora disse sobre "esses três níveis são interrelacionados, senão simultâneos, mesmo sendo um ou outro privilegiado". Dependendo da finalidade da leitura, o leitor pode ou não privilegiar um nível de leitura. Um pré-adolescente que lê por prazer pode priorizar a leitura emocional quando escolhe a obra de forma espontânea e, ao mesmo tempo, realizar uma leitura racional quando é obrigado a ler um outro livro para fazer prova na escola, por exemplo.

Não há um nível de leitura que seja melhor do que o outro. Os três níveis de leitura devem ser considerados ao comprar um livro (seja para crianças ou até mesmo para adultos).

Foto de Ismail Salad Osman Hajji dirir, via Unsplash.


Aspectos para a escolha do livro

Para a pesquisadora Vera Teixeira de Aguiar, é importante considerar alguns aspectos fundamentais para a escolha do livro de acordo com as idades da leitura (Bamberger) e as fases do desenvolvimento da criança (Piaget). Fazer a seleção correta do material facilitará a construção do hábito de ler. Sendo assim, considere:

Qualidade do material e aspectos externos: a qualidade é um fator importante e decisivo tanto na duração dos livros, quanto na formação do hábito de leitura. Além disso, os aspectos externos são relevantes para que o livro seja bem recebido pelas crianças. A capa deve ser atraente e resistente para não se danificar com o manuseio intenso. O tipo de letra/fonte deve ser inversamente proporcional ao leitor: quanto menor o leitor, maior a fonte (às vezes, em caixa alta também). O mesmo se dá com as ilustrações: quanto menor o leitor, elas devem aparecer em maior quantidade e mais coloridas. Já no que diz respeito à espessura, o livro deve ser diretamente proporcional: quanto menor os leitores, menos número de páginas.

Vamos a alguns exemplos: 

Passeio na Fazenda é um exemplo de livro de tecido.

1. uma criança de até um ano e meio, dois anos está em fase de formação de dentição. Como este bebê tende a colocar tudo na boca, o livro de papel não é o mais indicado. Para eles, o melhor é livro de pano/tecido ou de plástico (que pode ser levado ao banho também). Como as crianças nesta idade estão aprendendo o que são os sons, uma boa opção também é comprar livros que tragam a sonoridade do que é apresentado. Comprar um livro de papel para a própria criança manuseá-lo, nessa faixa etária, seria jogar dinheiro fora. No caso em questão, a leitura do livro de papel deve ser feita com a supervisão de um adulto.


Além de ser um clássico, Ou Isto ou Aquilo é um exemplo de boa gramatura.

2. uma criança de 4 anos ainda não tem muita noção de força (está em processo de desenvolvimento da coordenação motora), então, se ela ganhar um livro com a página muito fina, há a probabilidade de rasgá-la com facilidade (mesmo sem querer). É importante que a página para esta faixa etária tenha uma boa gramatura para que a criança possa manusear sem tanta preocupação com rasgos.


Foto de Picsea, via Unsplash.


Fases da leitura

A pesquisadora Vera Teixeira de Aguiar sugere que há 5 fases de leitura. Abaixo deixamos as suas respectivas características e algumas sugestões de livros para cada uma delas. Observe que as características (tanto das crianças, quanto dos livros) ajudam tanto a escrever livros para uma faixa etária específica, quanto a escolher outras obras que não estejam na lista 😉

Também deixamos nos nomes dos livros o link para compra de cada um deles. Comprar por estes links não muda nada por aí, mas é uma forma de apoiar o Projeto Escrita Criativa, já que recebemos uma pequena comissão por link afiliado. Para saber outras formas de apoiar o Projeto, clique aqui


Pré-leitura: dos 3 aos 6 anos

Características da criança: período em que a criança tem o primeiro contato com a escola. É a fase de desenvolvimento das habilidades e de competências que a prepararão para o processo de alfabetização. "É o período da construção dos símbolos, do desenvolvimento da linguagem oral e da percepção, que permitem o estabelecimento de relações entre as imagens e as palavras".
Características dos livros: pouco texto verbal (palavras), muitas gravuras/ilustrações, rimas. Temas abordados: animais, cores, formas, objetos conhecidos e cenas familiares/do cotidiano.

Exemplos de livros:


Leitura compreensiva: dos 6 aos 8 anos

Características da criança: período em que a criança vive o processo de alfabetização, desvenda o código escrito realizando a leitura silábica e de palavras. "Seu grande interesse é a leitura enquanto processos e domínio do texto em nível de compreensão". Ainda mantém o pensamento intuitivo, a mentalidade mágica, mas também passa a compreender as relações de espaço, tempo e causa.
Características dos livros: textos curtos, muita ilustração que apoie o entendimento das histórias. Temas abordados: cenas familiares/do cotidiano como casa, escola e comunidade, relações entre os adultos, busca por maior independência diante dos problemas (primeiro dia de aula, amarrar cadarço, usar óculos etc.).

Exemplos de livros:


Leitura interpretativa: dos 8 aos 11 anos

Características da criança: período em que a criança adquire fluência de leitura. Sai da compreensão imediata para a interpretação das ideias do texto. É quando a criança chega à fase das operações concretas, passando a classificar, a ordenar e a enumerar dados. "Mediante a vivência de situações mágicas, a criança resolve seus conflitos e adapta-se melhor ao mundo em que vive". 
Características dos livros: textos curtos, com eventual apoio de ilustrações. Temas abordados: animalismo, maravilhoso, seres sobrenaturais, folclore e lendas, contos de fadas tradicionais e modernos, humor, narrativas que desenvolvam o espírito de observação, de busca de novas soluções aos problemas cotidianos e o senso crítico.

Exemplos de livros: 


Desenvolvimento das habilidades críticas: dos 11 aos 13 anos

Características da criança/adolescente: período em que a criança atinge o domínio do pensamento abstrato (período de operações formais, do Piaget). É quando a criança passa a se preocupar mais com a realidade, ainda que tenha seus momentos de fantasia, o que lhe permite agir de forma mais crítica ao que é lido. "O leitor não só interpreta dados oferecidos pelo texto, como também se posiciona diante deles, emitindo juízos de valor". 
Características dos livros: textos médios a longos, com maior grau de complexidade (estrutura, linguagem e conteúdo) com pouca ou sem ilustrações. Temas abordados: fatos da atualidade, ficção científica, histórias de policiais e de fantasmas (com grupos definidos e vilões). Livros com aventuras, mescla de realidade fantasia.

Exemplos de livros: 



Leitura crítica: dos 13 aos 15 anos

Características do adolescente: período em que a pessoa passa para adolescência e passa a se voltar para o mundo interior, se preocupando com juízo de valores e da construção/validação de valores estéticos para a construção da identidade individual e social. Esta também é a fase dos questionamentos sobre o que é justiça e verdade, sobre sua própria natureza e sobre o seu próprio papel na sociedade - seja na fase atual, como adolescente, seja projetando o papel que desempenhará na fase adulta. 
Características dos livros: além dos romances, é nesta fase que os leitores a se interessar por contos, crônicas, poesia e textos curtos. O interesse pela ilustração diminui, então aqui ou os livros são poucos ilustrados ou sem ilustração. Temas abordados: aventuras mais intelectuais com conflitos psicológicos e sociais, narrativas de viagem, biografias, história do Brasil e mundial e livros que abram espaço para a literatura adulta.

Exemplos de livros: 


Foto de Ismail Salad Osman Hajji dirir, via Unsplash.

Esperamos ter ajudado e desejamos não só boas compras, mas momentos incríveis de leituras com as suas crianças. 💚

Leia também:

Referências teóricas usadas neste post:

AGUIAR, Vera Teixeira de. Leituras para o Ensino Fundamental: critérios de seleção e sugestões. In: Leitura em crise na escola. Porto Alegre: Perspectiva, 2003.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 2006. Coleção primeiros passos, volume 74. Compre o livro aqui.

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