O caos criativo e o esteriótipo do artista


Quando você pensa em artistas de modo geral, qual é a primeira imagem que vem à sua cabeça? Garanto que é a de uma pessoa que habita um lugar cheio de livros, tintas, pincéis, telas, máquinas fotográficas, figurinos - tudo isso, claro, espalhado de qualquer jeito, de modo que o próprio artista precisa saltar entre os seus materiais, enquanto tem no rosto a expressão de alguém meio certo, meio perdido em meio à própria loucura, não é mesmo? Pois bem, será que este esteriótipo do caos irrefreável é saudável o tempo todo? Por outro lado, é possível produzir arte na rigidez e no controle? É sobre tudo isso que nós gostaríamos de refletir com vocês agora. 


Foto de Gabriella Clare Marino, via Unsplash.


No princípio, tudo era caos

Há muitas teorias, em diversas áreas (das artes à física), que acreditam que o menor movimento tem impacto nos demais acontecimentos e que, por conta disso, nada na vida pode ser previsto ou controlado - é o famoso efeito borboleta posto em prática, em que uma escolha (ou falta dela) muda o rumo de todas as outras. Muitos artistas, sejam eles escultores, atores, pintores, fotógrafos ou escritores criam suas obras a partir deste caos, muitas vezes interno. As escolhas vêm de um um processo que muitas vezes começa inconsciente, até ir ganhando forma, cor, enredo, até virarem arte. Para escritores, em específico, o prazer se dá em ver palavra puxando palavra, em ver a escolha sendo tomada segundo a segundo e ter como fruto, a descoberta de um texto que se forma a olhos nus.

Foto de Nick Morrison, via Unsplash.


Mas também é possível que haja controle

Embora o esteriótipo do artista é o desse ser praticamente ilumidado que recebe um insight e cria sem rumo, há muitos criadores/criativos que almejam sair do caos - ou, ao menos, tê-lo mais previsto, mais controlado. Para estas pessoas, o processo criativo não mora no estar sem direção, anotando milhões de ideias desconexas sem saber se elas entrarão ou não no trabalho, se se tornarão ou não textos. Há escritores que precisam planejar profundamente seus livros antes de o escreverem ou que precisam trabalhar em uma ideia à exaustão para que ela caiba numa forma. O controle é, para essas pessoas, a palavra de ordem que permite que a criatividade flua. Para dar dois exmplos: Edgar Allan Poe dizia que era impossível começar a escrever antes que as ideias estivessem estruturadas na cabeça; já o pernambucano João Cabral de Melo Neto era obcecado com a estrutura formal daquilo que escrevia. Não bastava a ideia em verso, mas sim, a execução de uma métrica exata para que a sua criatividade fosse colocada em prática. Nos dois casos, há um senso de orgaização e disciplina que foge ao esteriótipo do primeiro parágrafo deste texto.

Quando o esteriótipo se expande, confunde e atrapalha (e vice-versa)

Talvez você esteja se perguntando qual é a importância de refletir sobre tudo isso, afinal, se você está lendo o Projeto Escrita Criativa, provavelmente é escritor e apenas quer ser lido. Contudo, pensar nesse esteriótipo é fundamental para que possamos compreender onde e que momento podemos usar o caos a nosso favor e quando ele nos prejudica - e o mesmo pensamento é válido para se ater ao planejamento e ao rigor em 100% do tempo.

Começando pelo segundo caso: pessoas muito presas a ter um planejamento de escrita ou a uma forma específica de expressar suas ideias costumam esbarrar no perfeccionismo (já falamos sobre ele aqui), que não lhe permitem flexibilizar o processo criativo. Acaba sendo uma espécie de situação "ou é tudo como está na minha cabeça ou isso que criei é muito ruim" ou ainda "se não for para seguir determinados padrões/formas, meu trabalho não será bom o suficiente, todo mundo vai detestá-lo". Essa falta de flexibilização, muitas vezes leva escritores (e artistas em geral) ao famoso "bloqueio criativo", seja pela falta de ideias ou pelo modo como trabalhá-las. Deixar o caos e a incerteza entrarem é mais que bem-vindo em momentos como esses.

Já artistas do primeiro caso, que acreditam que a vida têm que ser caótica o tempo inteiro, porque isso faz parte de ser criativo, tendem a não conseguir executar com maestria as partes objetivas da profissão: muitas vezes eles econtram dificuldades para criar um calendário de divulgação do livros e para pôr essa programação em prática; para planejar o evento de lançamento de um modo que seja viável tanto para eles, quanto para quem irá prestigiá-los; de cumprir prazos de contrato ou de parceirias para divulgação do trabalho; de passar informações básicas aos parceiros, leitores e eventuais pessoas com quem precisem trabalhar junto (revisores, diagramadores, fotógrafos, serviço de comes e bebes para o lançameto etc.); de fazer uma reseva financeira e um fluxo de caixa com o controle de quantos livros foram vendidos; para fazer o controle do estoque de livros prontos - ou saber quando é necessário solicitar a impressão de mais exemplares de modo qe não prejudique a entrega para os leitores etc. Parece que não, mas todas estas tarefas estão relacionadas com ser escritor e precisam de ordem, rigor, planejamento, acompanhamento e avaliação das etapas executadas. Sendo assim, não dá para viver em eterno estado de caos, simplesmente porque o caos não vai colaborar nesses momentos.

Foto de Windows, via Unsplash.

Equilíbrio entre caos criativo e criatividade controlada

Ser artista está realacionado a um processo profundo de autoconhecimento. Se você sabe bem como é o seu modo de criação, sabe também em quais tarefas e em quais momentos será preciso pedir ajuda, contratar alguém para fazer determinada tarefa e/ou aprender algo novo. É importante ter tanto a consciência dos processos que envolvem tanto a criação artística da obra em si, quanto a parte administrativa de ser artista. Há escritores que contratam mentores para ajudá-los a serem mais caóticos no que é preciso ou a organizar a parte administrativa. Há outros que, seja por motivos financeiros ou de curiosidade, resolvem estudar um pouco de design, um pouco de marketing, um pouco de administração e gestão, um pouco de direitos autorais, para tocarem as suas carreiras sem precisarem de outras pessoas. 

Em outras palavras, é preciso se conhecer e avaliar o seu momento de vida para encontrar um equilíbrio entre o caos criativo e a criatividade controlada. Nós sabemos que é possível ser criativos até fazendo uma planilha de Excel, mas é nisso que você, escritor, quer focar a sua energia? Se sim, como você pode fazê-lo de forma a ter tempo para a escrita? Se não, quem pode fazer o administrativo por você? 

São muitos pontos para a reflexão, não é mesmo?

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