Projeto Escrita Criativa Entrevista #6: Nina Quadrelli
Olá, escritores!
Hoje trazemos para vocês uma entrevista muito especial com a Nina Quadrelli, dona da Editora Fantástica. Venha conhecer mais sobre como tudo começou!
Projeto Escrita
Criativa: Como surgiu a ideia de criar uma editora dedicada ao gênero fantasia?
Nina Quadrelli: Partiu de um gosto pessoal num primeiro momento. Quando a ideia de abrir a editora surgiu, logo recorri ao gênero que mais gostava na literatura e com o qual eu poderia contribuir. Depois, aí já com uma avaliação mais técnica, vi que fantasia tinha uma tendência de crescimento e sempre teve muita gente produzindo material aqui no Brasil. Assim, não foi difícil decidir de qual nicho seria a minha editora!
PEC: Quais foram os maiores desafios para transformar essa ideia em realidade?
N: Por
incrível que pareça, abrir uma editora é muito fácil. Uma MEI com um CNAE de
edição de livros já pode ser uma editora, por exemplo. E posso dizer que tive
muita sorte nesse processo de abertura. Consegui uma mentoria com a Flávia
Iriarte, do Carreira Literária, e com o Guilherme Tolomei. Sendo assim, ainda
que não tivesse muita experiência em como montar uma editora, eles me ajudaram
muito. Para variar, a parte financeira é a mais difícil. Comecei com poucos
recursos e nenhum título para o catálogo, mas com uma ideia boa o suficiente
para atrair várias autorias interessadas em publicar e, assim, pude começar.
PEC: Você se
lembra do primeiro livro que publicaram? O que ele representou para a editora?
N: Essa boa ideia da resposta anterior foi a Antologia Hotel Fantástico. Um edital simples e temático para contos, aberto para quem quisesse participar e com publicação gratuita e premiação em dinheiro para o melhor conto. Foram mais de 130 inscrições na primeira edição, o que considero um sucesso absoluto. A ideia foi tão bem aceita que foram publicadas 3 edições: Hotel Fantástico 2022, 2023 e 2024. Nada mais é um livro de 20 contos, escritos por 20 pessoas diferentes com a temática do hotel. Uma das principais regras é que o título seja o número do quarto em que a história do conto está relacionada. Dessa forma, o livro vira uma experiência de hospedagem, em que leitores e leitoras podem explorar a nossa edificação mágica ao abrir a porta dos quartos.
Essa iniciativa marcou a minha maior intenção com a editora: abrir oportunidades de publicação para pessoas diversas, e muitas vezes inexperientes, com o sonho de estarem em uma editora. A avaliação era feita sem julgamento de quem eram essas pessoas, em que lugar do país moravam, quantos seguidores tinham ou como se identificavam. Claro, depois, colocamos mais uma regra sobre o uso de IA na escrita, o que era proibido. Além disso, a Antologia Vale Fantástico surgiu a partir do Hotel, porém voltada a criar um ambiente seguro e de oportunidade ainda mais direcionada para a comunidade LGBTQIAP+ que, mais uma vez, foi muito bem aceita e valorizada.
PEC: Qual
era o cenário do mercado editorial de fantasia quando vocês começaram, e como
ele mudou desde então?
N: A
Fantástica começou em 2022, logo depois de uma pandemia. A fantasia estava em
crescimento, visto que muita gente tinha mergulhado nesse gênero para fugir um
pouco da realidade que vivíamos naquele momento. Era um espaço muito masculino
e heterossexual (não que ainda não seja), porém, a diversidade de nomes e
temáticas aumentou bastante nos últimos anos. Espero ter contribuído para isso
também. A romantasia foi um subgênero que tomou todas as atenções, o que
foi uma novidade. Como tudo, agora está menos em evidência e o mercado aguarda
a próxima febre.
PEC: O que,
na sua visão, faz da fantasia um gênero tão poderoso e duradouro?
N: Quem
não gosta de viajar na batatinha? A fantasia é um gênero que permite que
absolutamente tudo seja possível. Você quer ter asas e voar? Pode. Quer ter
poderes mágicos? Pode. Ser outra criatura de outro mundo? Pode. E o que é mais
mágico nisso tudo é que, ainda assim, como qualquer outra narrativa, estamos
falando de nós, das nossas questões e do nosso universo. As pessoas não vão
deixar de sonhar nem de refletir e a fantasia abre espaço para que façamos isso
de uma maneira lúdica, divertida, assustadora ou encantadora. A gente que
escolhe.
PEC: Quais
elementos você acredita que tornam uma história de fantasia realmente
envolvente?
N: Acredito
que a coesão entre personagens e mundo. Principalmente, quando a gente fala de
outros universos e criaturas, isso precisa fazer sentido. Ainda que se tenha
uma premissa muito interessante, com uma construção fraca ou desconexa fica
mais difícil mergulhar profundamente naquela história e “comprar” a jornada.
PEC: Você
acha que a fantasia ainda sofre algum tipo de preconceito no mercado literário
brasileiro?
N: Sim,
mas bem menos do que antes. Ainda há uma resistência de forma geral, mas como
muitos nomes surgiram e ganharam força nos últimos tempos, principalmente, por
meio das redes sociais e desse contato direto autor(a)-leitor(a), as pessoas
ficaram mais abertas a conhecerem essas obras. Além disso, os livros
brasileiros ficaram tão visualmente bonitos quanto os estrangeiros, o que já
chama atenção. Dessa forma, a qualidade tem sido cada vez mais reconhecida e as
autorias brasileiras abraçadas pela comunidade leitora.
PEC: Como é
o processo de escolha dos originais que chegam até vocês?
N: A princípio, eram as inscrições pelos editais do Hotel e Vale Fantástico. Depois dessas autorias serem selecionadas e o livro publicado, havia uma votação com a comunidade da editora (que chamei de Coven) e montávamos um top 5 e um top 3 de melhores contos, respectivamente. As autorias selecionadas apresentavam um projeto para editora, via book proposal ou pitch, e nós escolhíamos quais gostaríamos de publicar. É um modelo não convencional, porém era o que conseguíamos dar conta de avaliar e responder. Até montamos um formulário de envio de originais e recebemos alguns, porém até livros que não eram de fantasia foram enviados e decidi encerrá-lo. Trabalhar com as nossas próprias autorias era uma forma muito mais segura e eficiente, além de ajudar a construir ainda mais a carreira de quem já estava com a gente. A partir disso, formamos um Laboratório com os projetos escolhidos, onde trabalhamos de forma coletiva: autorias e equipe da Fantástica.
PEC: Que
tipo de história chama sua atenção logo nas primeiras páginas?
N: Acho
que é mais pela sensação que causa do que por um tópico específico. Pode ser
estranhamento, divertimento ou um acontecimento muito marcante que faz a gente
querer saber mais. Particularmente, não sou fã de fantasia muito violenta e,
por isso, acabei construindo um catálogo mais otimista. No entanto, para além
disso, um início mais envolvente ganha mais minha atenção.
PEC: Quais
são os maiores desafios ao editar obras de fantasia, especialmente no
equilíbrio entre criatividade e coerência de mundo?
N: Posso dizer que é ficar atenta aos detalhes. Principalmente, se estamos falando de um mundo diferente e outras criaturas. Conferir se os nomes estão corretos e se as características de lugares e personalidades são coerentes ao longo do livro. No caso da Fantástica hoje, temos mais narrativas de baixa fantasia ou fantasia urbana, portanto, não tive grandes problemas em lidar com edições muito incisivas de mundos absurdos.
Em todo caso, é muito legal a autoria ter
um dossiê ou ficha com todos os lugares e personagens daquela história para não
se perder.
PEC: Como
vocês trabalham a parte visual capas, mapas, ilustrações, que são tão
importantes nesse gênero?
N: Nós
sempre contratamos pessoas para fazer as ilustrações. Todos os nossos livros,
incluindo as antologias, são ilustrados. No caso dos dois volumes do Vale
Fantástico, as ilustrações internas foram feitas por artistas da comunidade
LGBTQIAP+ e essa foi uma escolha consciente. Nos demais livros, escolhemos o
estilo a partir de um banco de dados de portfólios de diversos artistas que
temos na editora.
PEC: Que
tipo de autor ou autora vocês buscam/costumam publicar?
N: Autorias brasileiras e contemporâneas. Damos mais valor a alguém engajado e muito apaixonado pelo seu projeto do que a alguém só com muitos seguidores em alguma rede social. Além disso, alguém que mostre ser uma parceria para editora, disposto a colaborar com o nosso processo de trabalho.
PEC: Como a
editora apoia novos escritores de fantasia no Brasil?
N: Acredito
que não cobrar para publicar já é um grande incentivo. Além disso, os editais
foram uma porta de entrada para muitas autorias em início de carreira.
PEC: Vocês
percebem um crescimento no público leitor de fantasia nacional nos últimos
anos?
N: Sim,
especialmente depois da pandemia e da popularização de séries audiovisuais
fantásticas e outros livros que misturam a fantasia tradicional com um conteúdo
mais adulto.
PEC: Como
você enxerga o futuro da fantasia no Brasil, tanto em termos de leitores quanto
de autores?
N: As
pessoas sempre vão escrever fantasia, até mesmo quando elas nem têm tanta noção
de que estão fazendo isso. A América Latina inteira é quase um grande realismo
mágico. Portanto, acredito que a produção desse gênero vai ser constante e
eterna. Sobre leitores, é mais difícil dizer, ainda mais em tempos em que o
mercado luta contra uma perda hemorrágica de pessoas que leem. A última
pesquisa do Retratos da Leitura mostrou isso. Sendo assim, o trabalho precisa
estar mais focado em (re)conquistar o gosto pela leitura das pessoas se a gente
quiser ter um futuro cheio de leitores.
PEC: Como o
digital (e-books, redes sociais, booktok) tem influenciado o trabalho da
editora?
N: Nós
trabalhamos com o e-book desde o início. Inclusive, ele foi o nosso primeiro
formato, antes do impresso. Hoje, todos os livros do catálogo têm a sua versão
digital. Dois deles têm até a versão audiolivro. No caso das redes sociais, é
quase impossível não estar em alguma delas hoje em dia. Sendo assim, a criação
de conteúdo é parte do trabalho normal da editora, não só em épocas de
lançamento ou descontos.
PEC: Qual a
diferença de editar livros físicos e e-books?
N: A
edição em si não muda, afinal, trabalhamos com o mesmo arquivo de texto. Na
verdade, todo o processo segue o mesmo até o ponto da diagramação. A versão
física tem mais liberdade de quais elementos colocar, já a versão digital é bem
mais limitada, mas, ainda assim, dá para fazer livros bonitos e agradáveis de
ler.
PEC: Se
pudesse dar um conselho para quem sonha em publicar fantasia, qual seria?
N: Acredito
que o básico é ter uma boa premissa. A gente pode investir muito em marketing e
divulgação etc., mas se a nossa narrativa não for boa em algum ponto, fica
muito mais difícil de sustentar. Ter uma história completinha, bem escrita, com
um mundo coeso e coerente e bons personagens é o caminho para qualquer pessoa
publicar qualquer gênero, mas, principalmente, na fantasia que a gente pode
cair na armadilha de encontrar “recursos fáceis” para resolver os problemas.
Fora o livro, a construção de uma comunidade é a chave. Você precisa ter
pessoas que gostem do tema que você escreve e da forma que você constrói as
suas narrativas. Com isso forte, dá para publicar independente com mais
segurança e até fica mais fácil de encontrar uma editora disposta a apostar em
você. Aqui, não é necessariamente sobre um número de seguidores, mas fãs
daquilo que você faz.
PEC: Antes
de fundar a editora, qual era a sua relação com o mundo dos livros e da
fantasia?
N: Minha
mãe sempre lia para mim quando eu era pequena. Depois de alfabetizada,
continuei lendo. Não de forma tão assídua, mas constante. As histórias de
fantasia sempre foram as minhas preferidas, fossem por fábulas de livros
infantis, gibis ou os filmes de princesas e os da Barbie. Minha adolescência
foi mais marcada pelos mangás. Depois de adulta, voltei a ler mais livros e a
me aventurar em outros gêneros, inclusive a não-ficção.
PEC: Que
livros, autores ou histórias marcaram sua vida e inspiraram seu trabalho no
universo editorial?
N: Essa
pergunta é sempre difícil de responder porque acho uma tarefa árdua especificar
alguns. No entanto, sem dúvida, os gibis da Turma da Mônica foram uma grande
porta de entrada. A fantasia sempre esteve lá. Outras obras importantes foram O
Circo da Noite, de Erin Morgenstern, e a trilogia das Peças Infernais, de
Cassandra Clare. Tenho uma vaga sensação de ter entendido que gostava de
fantasia como gênero literário ali. Por fim, acho que não tenho uma obra
específica que eu olhei e pensei “quero fazer isso aqui também como editora”,
sempre foi uma coisa mais fonte de vozes da minha cabeça, o que não deixa de
ser uma grande mistura das mais diversas referências que tenho dentro de mim.
PEC: Algo a
acrescentar?
N: Gostaria de
agradecer pelo convite e dar os parabéns pela iniciativa deste projeto de
vocês!
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