Dicas de escrita: diferenças e usos dos porquês nas variantes do português brasileiro e europeu
Foto por Mikołaj, via Unsplash. |
O uso dos porquês é algo que sempre traz dúvidas para os escritores e falantes da língua portuguesa, principalmente aqui no Brasil. Apesar de a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ter assinado um acordo ortográfico para tornar as variantes mais homogêneas entre si, ainda há alguns pontos relativos ao uso e grafia das palavras que são diferentes no Português Brasileiro (PTBr) e no Português de Portugal (PTPt) — também conhecido como Português Europeu.
Bandeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. |
Vale dizer aqui que, apesar de o Brasil ser a localidade que concentra o maior número de falantes da língua portuguesa, outros lugares do mundo usam a variação europeia como grafia oficial. Nós, brasileiros, estamos cada vez mais em contato com a variante de Portugal, uma vez que temos mais acesso não só a autores portugueses, mas aos moçambicanos, angolanos, cabo-verdianos (Saramago, Valter Hugo Mãe, Mia Couto, Pepetela, Agualusa, Gonçalo M. Tavares, Paulina Chiziane, Ondjaki e tantos outros que são lidos com frequência por aqui). É claro que autores africanos usam a variante europeia somadas à cultura e ao vocabulário de seu país de origem. Cabe a nós, leitores brasileiros, perceber a diferença ortográfica e gramatical ao compararmos os textos de outras variantes com o que temos como gramática normativa por aqui. O mesmo fenômeno se dá com os nossos livros (músicas e programas de televisão) que saem do Brasil para toda a CPLP. Lá, os falantes percebem que nós temos o nosso próprio modo de falar que se distingue do deles.
Dois porquês X Quatro porquês
Português de Portugal (PTPt)
Português brasileiro (PtBr)
"Aprendemos na escola uma regrinha muito simples: por que é usado em construções interrogativas e porque, conjunção explicativa ou causal, em construções afirmativas. Como regra geral, vale. O problema é achar que o ponto de interrogação liquida a questão: se existe, é por que; se não existe é porque. Não é bem assim — ou nem sempre é assim".
1. Por que — separado e sem acento — em sentenças interrogativas
Usamos por que — separado e sem acento — tanto nas sentenças interrogativas diretas (que terminam sinalizadas com pontos de interrogação), quanto nas indiretas (que, na maioria das vezes, terminam sinalizadas por ponto final). Neste caso, ele tem ou função de advérbio interrogativo ou de pronome relativo. Quando pronome relativo, esse "que" pode ser substituido por "qual/quais" e/ou acrescido por "razões/motivos". Por exemplo:
- Por que a Ana foi embora mais cedo? — Interrogativa direta.
- Não entendo por que a Ana foi embora mais cedo. — Interrogativa indireta.
- Não solte balões, porque podem causar incêndios.
- Choveu a noite toda, porque as ruas estão molhadas.
- Não solte balões, pois podem causar incêndios. | Não solte balões, porquanto eles podem causar incêndios. | Não solte balões, que eles podem causar incêndios.
- Choveu a noite toda, pois as ruas estão molhadas.
- O tambor soa porque é oco. (causa/motivo: porque é oco; efeito/acontecimento: o tambor soa)
- Não nos recebeu porque estava de luto. (causa: porque estava de luto; efeito/acontecimento: não nos recebeu)
- O tambor soa já que é oco.
- Não nos recebeu visto que estava de luto.
Para quem fala inglês, outro truque útil é traduzir por why e because. No exemplo 1 ["Não entendo por que o governo não acordou mais cedo."], temos why, "por que". No 2 ["Você pensa que está a salvo da crise só porque é funcionário público?"], because, "porque". Simples assim.
3. Por quê — separado e com acento — no fim do período ou seguido de pausas.
O por quê, separado e com acento, é sinônimo de "por qual motivo" e usado no final de frases e orações (reparem que o uso é frases e orações, não onde coloca-se o ponto final/de interrogação) ou quando assume a função de advérbio interrogativo sozinho em uma oração.
- Estão brigando? Por quê? (= Estão brigando? Por qual motivo?)
- Sem saber por quê, Carina se sentia inspirada. (= Sem saber por qual motivo, Carina se sentia inspirada.)
- Não veio por quê? (= Não veio por qual motivo?)
- Por quê? (= Por qual motivo?)
4. Porquê — junto e com acento — substantivo masculino.
- Não entendi o porquê de você se demitir. (= Não entendi o motivo/a causa de você se demitir.)
- Eis o porquê da discussão. (= Eis o motivo/a causa da discussão.)
- Não sei o porquê da sua dúvida. (= Não sei o motivo/a causa da sua dúvida.)
- Pedro compreendeu o porquê de Camila ter se sentido mal: ele havia se esquecido do aniversário da amada. (=Pedro compreendeu o porquê de Camila ter se sentido mal: ele havia se esquecido do aniversário da amada.)
Para saber mais
Referências:
BECHARA, Evanildo. Gramática Fácil: completa e rápida de consultar, para responder a todas as suas dúvidas. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014. p.182-183.
BECHARA, Evanildo. Novo dicionário de dúvidas da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. p.228-229.
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática da Língua Portuguesa. 48ª ed. rev. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. p.290-291.
2 Comments
Olá, qual a referência utilizada para falar sobre o português europeu?
ResponderExcluirO podecast e os livros citados no final do artigo falam sobre isso. Além disso, se você procurar por "porque" no site da Academia das Ciências de Lisboa (https://volp-acl.pt/) verá que lá só há duas ocorrências ("porque" e "porquê"), conforme citamos aqui.
ExcluirSeja bem-vindo ao Projeto Escrita Criativa!
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