Biblioteca criativa: Quincas Borba, de Machado de Assis*

Bora ler o Quincas Borba?



Li o livro Quincas Borba com os meus educandos quando era professora no Ensino Médio e foi uma delícia. Voltar ao Machado de Assis é sempre um deleite e é fácil de entender porque ele conseguiu eternizar as suas narrativas ao longo de mais de um século: os narradores machadianos têm o poder de nos envolver de forma a nos instigar a sempre querer saber mais e mais das cenas dos próximos capítulos.

Escrito em formato de folhetim e publicado pela primeira vez em livro em 1891, Quincas Borba faz parte do trio de obras mais famosa do Machado, junto com os seus dois outros sucessos — Memórias Póstumas de Brás Cubas (de 1880) e Dom Casmurro (de 1899) — e apresenta um intertexto direto com o Memórias Póstumas, uma vez que o personagem Quincas Borba teve uma breve aparição no Memórias e que o personagem Brás Cubas também tem participação no livro intitulado Quincas Borba.

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O livro Quincas Borba é o único da "trilogia" narrado em terceira pessoa** e conta a história de Rubião, um pobre habitante de Barbacena, no interior de Minas Gerais, que tentou de tudo na vida até que virou professor e amigo do Joaquim Borba dos Santos, o Quincas Borba — um filósofo de poses, que perdeu os familiares próximos e que criou a teoria do Humanitismo, cujo lema é "Ao vencedor, as batatas!". Esta teoria é bem próxima da elaborada por Charles Darwin, que diz que a natureza seleciona os mais fortes, aqui em paralelo com a vida que as pessoas enfrentam nas armadilhas da vida na metrópole.

Logo no começo da obra, Quincas Borba fica doente e morre. É a partir disso que a trama de fato se desenvolve. Ele deixa para o amigo Rubião toda a sua herança, com a condição de que o herdeiro cuide de seu cachorro, também chamado Quincas Borba. Rico, Rubião decide parar de trabalhar e se mudar para a metrópole, o Rio de Janeiro.

Na viagem de trem Barbacena-Rio, Rubião conhece o casal Palha, Cristiano e sua esposa, Sofia. Cristiano vê na ingenuidade de Rubião a oportunidade que ele tem de enriquecer. Já Rubião, por sua vez, se apaixona perdidamente por Sofia, estabelecendo, assim, um triângulo amoroso.

É interessante notar como o narrador machadiano conduz a história. Ele é extremamente intrometido, a ponto de estabelecer por si mesmo um diálogo com o leitor. É esse narrador que deixa em suspenso os finais de cada capítulo, fazendo com que os leitores desejem saber mais do que está por vir. É curioso notar que ao mesmo tempo em que o narrador se dirige aos leitores, ele cria a sensação de que está apenas contando como a história é, sem emitir juízo de valores — só o leitor mais atento para para pensar que a escolha dos fatos em si já aponta um viés do ponto de vista do Machado sobre o mundo.

Essa opção de Machado por este narrador é muito acertada, porque com esta forma de contar, o escritor conseguiu fazer um relato de todos os âmbitos da sociedade da época. Às vezes mais sutil, às vezes mais direto, Machado de Assis toca em temas do microcosmo e do macrocosmo brasileiro e como eles se relacionam e, sobretudo, se sustentam: racismo, corrupção, papel da mulher, o casamento como sustentação para o patriarcado, o ostentar a riqueza sem ter um centavo, a caridade como caminho de ser bem-visto pela elite, o envelhecer. Em muitos pontos da narrativa é possível estabelecer, inclusive, relação entre a vivência das personagens e a atualidade (o que dá uma certa tristeza em perceber que o Brasil não mudou muito de 1891 para cá).

Ao longo da leitura, vemos um Rubião que é engolido pela engrenagem da metrópole: a sua vida, que aparentemente vai ter um momento alto — com casa no Rio, ida a festas e bailes e convivência com a alta burguesia — entra em decadência com a falta de casamento, com a administração feita por Cristiano Palha de sua fortuna, com os gastos excessivos feitos, muitas vezes, à custa dos aproveitadores.

Massacrado por essa vida, Rubião retorna à Barbacena para ter um fim trágico na cidade que já não o compreendia mais.

Capa.
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Livro: Quincas Borba
Autor:
Machado de Assis
Páginas: 360
Editora: Penguin & Companhia das Letras
Sinopse: Publicado pela primeira vez em livro em 1891, depois portanto de Memórias póstumas de Brás Cubas (1881) e antes de Dom Casmurro (1899), Quincas Borba é uma das obras mais marcantes da fase realista de Machado de Assis. Talvez por se situar justamente entre esses dois monumentos da obra machadiana, o romance muitas vezes foi considerado uma realização menor, uma espécie de mera continuação das Memórias póstumas — para irritação de seu autor, que em um raro comentário sobre a própria ficção afirmou que a presença do personagem Quincas Borba era "o único vínculo" entre os dois livros. Mais do que ao marco inaugural do Realismo no Brasil, porém, Quincas Borba remete ao Machado contista que começava a abordar temas historicamente mais próximos de sua época e a explorar os conflitos psicológicos de seus personagens com sua sofisticada e irônica narrativa em terceira pessoa presente em contos clássicos como "A cartomante" e "A causa secreta". Neste romance da maturidade do autor, a história do provinciano Rubião — herdeiro da fortuna do idiossincrático filósofo Quincas Borba — e dos tipos urbanos da corte que o levam à ruína é narrada com o distanciamento, o ceticismo e o senso de humor implacável de que só Machado de Assis era capaz. Esta edição de Quincas Borba, além de mais uma centena de notas explicativas, traz uma extensa e abrangente introdução do britânico John Gledson, estudioso da obra machadiana e tradutor de Dom Casmurro para o inglês.
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* Resenha postada originalmente no Algumas Observações.
**O Memórias Póstumas é narrado pelo defunto-autor, Brás Cubas. Já o Dom Casmurro é narrado pelo próprio (lembrando que o Bentinho tinha como característica ser casmurro, daí o nome do livro).

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